Tenho visto Vivaldo Franco, esporadicamente, nos palcos da vida e algo me chama atenção neste cara. Seu profissionalismo, e sua ação artística focada nos objetivos da profissão. Professor da famosa escola de Rio das Ostras, ONDA, ele está trabalhando sua arte como legado estético e político, e isso não é pouco. Por isso fiz questão de entrevistá-lo para o blog Teatro Possível. (Jiddu Saldanha - Blogueiro)
Breve Biografia.
Vivaldo Franco iniciou sua carreira artística
em 1978 no grupo Tafetá de Teatro Popular na periferia do Rio de Janeiro. Em 1983
ingressa na UNIRIO formando-se em Artes Cênicas. Pós graduado em Teoria da Arte pela UERJ e em
Docência do Ensino Superior pela USAM.
Ator, diretor, produtor cultural,
tem mais de 30 montagens em seu currículo. Foi diretor de palco do Teatro
Ziembinski e produtor cultural do departamento de cultura da UERJ. Trabalha na
Fundação Rio das Ostras de Cultura, desde 2006 ocupando a função de professor
de Artes Cênicas e coordenador técnico no Centro de Formação Artística – ONDA.
Conselheiro Municipal de Cultura de Rio das Ostras (2017/2018). Atualmente
dirige e atua no espetáculo METAMORFOSE PRIMEIRO AMOR, adaptação dos textos de
Franz Kafka e Samuel Beckett.
Entrevista
Teatro
Possível - Na tua percepção, o que é necessário para ser artista de teatro?
Vivaldo
Franco - Vocação. Para ser artista
precisa ter vocação. Talento é importante mas não é fundamental. Você pode ser um artista com recursos
limitados e pouco talento mas se você tiver vocação você vai sobreviver da sua
arte. De uma maneira ou de outra. Você
pode desenvolver técnicas para isso. Mas sem vocação não adianta. Conheço muita gente talentosa que não
sobreviveu. Virou dona de casa ou caixa
de banco.
TP
- Você se considera um artista engajado? Como você percebe o ofício, face às
questões políticas que o Brasil vive, hoje em dia?
VF
- Totalmente. Não acredito na Arte pela
Arte. Toda Arte é política. Neste
sentido acredito que todo verdadeiro artista é um ativista político, seja de esquerda seja de direita. Ou ainda um
alienado a serviço de um ou de outro mas ainda assim um agente político. Para
mim não existe Arte puramente para diversão,
entretenimento. Isso é parque de
diversão. Para mim o artista que diz que
faz arte e não faz política ou é um grandessíssimo filho da puta ou é um
analfabeto político que acha que a sua “não participação “ o isenta dos
acontecimentos políticos do país e do mundo .
TP
- Kafka e Becket num mesmo espetáculo, como surgiu esta idéia? Porque?
VF
- Há alguns anos vinha pensando em montar um espetáculo solo que me
possibilitasse viajar, participar de festivais,
mostrar mais o meu trabalho de ator. Nestes 40 anos de carreira tenho
produzido e dirigido mais do que atuado, embora tenha começado como ator. Então
comecei a procurar monólogos. Já
conhecia A METAMORFOSE do Kafka mas não via como adaptar para um solo. Quando
li o PRIMEIRO AMOR de Beckett há três anos atrás descobri uma relação
extremamente forte entre os dois textos. Foi instantâneo. A partir daí passei a
pesquisar mais profundamente sobre a obra dos dois autores para fazer uma
adaptação.
![]() |
METAMORFOSE PRMEIRO AMOR, inspirado em Kafka e Beckett! |
TP
- Que tipos de limites você teve que romper, para chegar à concepção deste
espetáculo. É muito cansativo? É preciso muita dedicação?
VF
- Foram três anos de trabalho até a estreia. Muita leitura. Muita pesquisa.
Muitas versões. Queria me impor algo completamente diferente do que já havia
feito como diretor e ator. Tive que ter uma disciplina corporal rigorosa. Tive que experimentar linguagens corporais e
vocais ainda não experimentadas. Tive
que vencer medos e vaidades. Foi um processo sofrido. Fisicamente sofrido. As
apresentações são extenuantes e meu corpo sofre. Mas estou muito feliz em ter
conseguido chegar até aqui. O processo continua. Vamos ver até onde vou
aguentar. Tive a ajuda de muitos amigos mas duas pessoas foram fundamentais
para o resultado : Marcellus Machado que vem acompanhando todo o processo desde
o inicio e Polyana Lott que fez um treinamento corporal que me ajudou muito.
TP
- Quais são seus planos e sonhos para a circulação de Metamorfose - Primeiro
Amor?
VF
- Quero mostrar esse trabalho para o maior número de pessoas. Quero
viajar. Espero poder ficar com este
trabalho por alguns anos.
TP
- Quem é Vivaldo Franco por Vivaldo Franco?
Crítica de Metamorfose Primeiro Amor
Por José Facury
Quando se procura algo que fale sobre Kafka e Beckett em qualquer enciclopédia, aparece inevitavelmente a " teoria do fracasso "...E é o que está contido filosoficamente na obra literária destes dois fabulosos autores que, incompreendidos por muitos alavancaram notório sucesso em poucos e exigentes pesquisadores da nossa vanguarda, literária e teatral...O que precisa ser crivado, não sei se para entendê-los, mas muito mais para sentirmos o rastejamento animal da transposição humana dos personagens de um e a completa auto anulação do agir do outro, até eles serem carcomidos na dor pelo desejo exaustivamente reprimido. Muito do que pessoas da nossa sociedade atual vivem, quando trocam a realidade vivencial pela virtual...Em A Metamorfose de Franz Kafka e O Primeiro Encontro de Samuel Becket estes estados são transparentes. Uni-los em uma encenação solo, interpretá-los e ao mesmo tempo se auto dirigir exige do encenador, ator e cenógrafo um domínio pleno em pesquisas, tanto literária como nas partituras dramatúrgicas corporais que terá que construir e desconstruir para metamorfosear os estados de consciência e inconsciência de si e da contextualização metafórica dos personagens. O banco de praça que desenvolve um "trouvaille" cenográfico, mesmo descontextualizado da locação das duas cenas e o nú, o mijar em cena, aponta no sentido do libertarem-se daqueles seres que se auto flagelam por não suportarem mais aquelas peles que os sufoca. Uma grande interpretação para uma belíssima concepção cênica que precisa ser vista por todas as almas sensíveis. (José Facury Helluy)
Com a palavra, o ator-diretor.
APRESENTAÇÃO
Encenar um monólogo é sempre um
desafio para aqueles que “amam a Arte que há em você e não você na Arte”, para
citar o grande Mestre Stanislavski. Para esses é sair da zona de conforto. É
reconhecer os limites e tentar superá-los. É (re)aprender sempre.
Para comemorar 40 anos de carreira
– completados agora em 2018 – resolvi desafiar-me. Nada melhor para isso do que
encenar um texto do TEATRO DO ABSURDO. Ou melhor ainda: impor-se o supremo
desafio – e porque não dizer extremamente pretensioso – de adaptar, não só uma,
mas duas novelas da literatura do absurdo.
E já que era para ser desafiador
porque não escolher os melhores?
A METAMORFOSE, de Franz Kafka, já
era minha conhecida desde há muitos anos, dos tempos de faculdade. Já PRIMEIRO
AMOR, de Samuel Beckett, eu o descobri há uns três anos, quando a idéia de um
SOLO começou finalmente a tomar forma dentre os meus desejos.
A bem da verdade não se trata de
traduções ou mesmo adaptações ipsis litteris dos textos originais. Eu
classificaria mais como uma releitura livremente inspirada nos personagens que
habitam essas histórias.
Há em Kafka e Beckett um fatalismo
quase niilista. Uma desesperança vital que leva seus personagens a seguir em
frente mesmo que este caminho sempre leve ao mesmo ponto de partida, num
círculo vicioso digno de Sísifo.
Há nestes dois protagonistas uma
inerente inadaptação ao mundo que os cerca. Eu diria mesmo que à própria vida.
Uma estranheza e um estranhamento (no sentido brechtiano) intrínsecos aos seus
olhares e também aos olhares dos que os olham e que os forçam a fugir, a
refugiarem-se, a metamorfosearem-se em outros. Em solitários insetos.
O mesmo sentimento que me tem
acompanhado durante toda a minha vida e, particularmente nestes tempos sombrios
em que vivemos. Tempos que são reveladores e assustadores tanto pela ignomínia
coletiva a que estamos sujeitados quanto pela inércia e impotência a que
estamos nos submetendo.
(Fora Canalhas de Todas as Estirpes!)
A genial Cacilda Becker e o grande
Sergio Britto tiveram como último trabalho teatral uma peça de Samuel Beckett.
Longe de mim comparar-me aos grandes mas estas histórias de maldições teatrais
são instigantes e inspiradoras. Como um labirinto do qual não se conhece a
saída.
Enfim, é com grande prazer e dor
que apresento este trabalho a vocês. Que ele possa de alguma maneira ter algum
significado.
Vivaldo
Franco – Diretor e Ator
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