TEATRO PARA DANÇAR

sexta-feira, 16 de agosto de 2013

Alguns conselhos para quem quer formar grupo de TEATRO.

Como dizia mamãe, "se conselho fosse bom era vendido e não dado", espero que esses conselhos "vendidos" aos leitores do Teatro Possível possa ser útil e gere boa lucratividade para todos.
Durante meus quase 30 anos de teatro, detectei alguns padrões na vida artística que vale a pena comentar a fim de ampliarmos o relacionamento saudável em busca de nosso maior sonho. Fazer teatro como OFÍCIO.

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Padrão 01 - Brigas inexplicáveis:

Quando o grupo começa a decolar, brigas e desavenças começam a brotar de todos os lados, muitas vezes, terminando com o afastamento de pessoas importantes no processo. O grupo perde força e na maioria das vezes morre. Os ex-membros a princípio ficam de mal e depois passam a agir como se nada tivesse acontecido.
Raramente a questão é discutida cara a cara  e as partes não se sentem muito confortáveis para o diálogo. A mágoa pode aumentar e a intransigência acaba gerando não só um grande prejuízo financeiro para o grupo e os artistas envolvidos como, em alguns casos, o artista nunca mais recupera sua auto-estima; às vezes acaba por desistir da profissão ou passa a trabalhar completamente sozinho, fazendo bico.

Como lidar com isso?
Habituar-se a fazer rodas de avaliação com foco na mediação dos conflitos. Olho no olho, perdão e respeito ao tempo de cada um. O diálogo não quer dizer que tudo voltará a ser como era, mas ambas as partes conflitantes podem abraçar o essencial e trabalhar juntos por um objetivo que transcenda seus egos.

Um modelo de grupo bem organizado, em Cabo Frio, é a TRIBAL embora
não seja um grupo de teatro, tem uma forma dinâmica de lidar, de forma
habilidosa, com a pressão externa e as diferenças internas. 
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Padrão 02 – Dificuldade de gerir o caos e os egos: 
Diferenças ideológicas e intelectuais, geram diversos comportamentos que criam confusão no coletivo e o grupo acaba indo sempre na conversa dos que são “bons de lábia”, aqueles que são capazes de argumentar melhor acabam exercendo um domínio “pseudo carismático” sobre os demais. O grupo, devido à sua deficiência gestora acaba “acreditando demais” numa pessoa e quando “essa pessoa” desanima todos ficam sem direção e perdem o foco.
Dentro do grupo é importante dar valor a cada ação de cada membro e se houver discordância é importante que a fala seja clara e sem julgamento. Dizem alguns especialistas em comunicação que deve-se evitar o termo “discordo de você” e substituir por uma linguagem que some o seu pensamento com o do outro ao invés de desejar que seu pensamento se imponha e “ganhe a batalha”. É importante ver que todo argumento tem um fundo de verdade e um diálogo avança quando reconhecemos o que realmente nos importa, no discurso do outro. Do contrário, um diálogo pode se transformar numa “batalha intelectual” e, neste caso, o “perdedor” tende a se calar e, muitas vezes, ficar magoado e retirar sua colaboração do grupo.

Como lidar com isso?
Roda de estudos, distribuição da palavra com mediação para que todos possam se posicionar e ouvir sempre até o fim tudo o que o outro deseja dizer para só depois replicar. Fazer rodízio de liderança é um ótimo exercício mas evitar “eleição”, tomar cuidado com a pseudo democracia para evitar que o grupo se divida entre “quem quer” e “quem não quer”.  Existe várias dinâmicas de grupo para lidar com isso mas o grupo precisa ver o relacionamento como um foco e não só “ensaio interminável” de um trabalho.

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Padrão 03 – Falar mal dos companheiros que fazem sucesso: 
Outro padrão pernicioso que esvai toda a energia do grupo é o excesso de julgamento do trabalho alheio conforme afinidade. Se “gosto” de alguém vou ser tolerante e elogiar, porém,  se “não gosto” vou falar do seu ponto fraco e jamais reconhecer sua capacidade positiva. Este tipo de comportamento se espalha como uma praga no meio artístico, e quase sempre um ou outro artista vai para a “berlinda” em função disso. Esta situação mina a auto-estima e prejudica o desempenho perante os colegas, ao se sentir ameaçado, o então artista que se sente “de fora” acaba “falando mal” dos ex-colegas de trabalho, espalhando uma cizânia no mercado e no espaço onde o grupo atua.
Um ex-participante frustrado se não tiver uma boa formação de caráter, acaba por se mover de forma sorrateira pelos guetos e convidar amigos do “ex-grupo” para festas, excluindo seus desafetos e espalhando desconfiança sobre o “processo anterior”. É comum também, juntar-se a outro grupo “rival” e tentar arrastar pessoas do grupo “antigo” para fortalecer o “inimigo”. A pessoa que age assim, muitas vezes está ferida por não se sentir ouvida e/ou ter suas idéias reconhecidas no grupo anterior. Este tipo de comportamento é um padrão que pode se repetir no próximo grupo e acompanhar o indivíduo por todos os lugares por onde andar.

Como lidar com isso? 
Aceitar a crítica e o elogio é um bom passo. Na hora de criticar e elogiar, ser ponderado nos dois quesitos evitando bajulação e/ou desrespeito ao trabalho do outro posando de “dono da verdade” sob a alegação de que está sendo “sincero”!

O grupo "Armazém Companhia de Teatro" é um dos grupos mais sólidos do
Rio de Janeiro, com uma economia estável e ótima reciclagem constantes
de seu coletivo.
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Padrão 04 – Flerte, relacionamento afetivo e comportamento sexual são questões que acompanham de forma muito ativa um grupo de teatro. O universo da arte é uma usina de desejos em todos os sentidos. Muitos desentendimentos entre os membros dos grupos são gerados por ciúme exacerbado, sentimento de posse, inveja e projeção de desejo uns sobre os outros.
Quando essas questões se instalam é comum os homens “competirem” pelas mulheres e as mulheres “competirem” entre elas. A formação de territórios “sagrados” que vão referendar relacionamentos amorosos entre pessoas pode criar situações de mal entendido, traições e desconfiança além de duplo vínculo, como, tratar bem alguém na ausência de outrem mas ser indiferente ou tratar mal na presença de alguém.
Nossa herança latina transforma relacionamentos em “novelas intermináveis”, falta de auto análise e também de reflexões coletivas leva os membros do grupo a sentirem carências de ordem afetiva e sinestésica.

Como lidar com isso?
Aprender a dialogar e falar francamente sobre o assunto. O reconhecimento da situação pode levar ao diálogo justo e abrir com franqueza a real situação e isso pode gerar acordos benéficos  para o grupo. Evitar coisas do tipo “charminho”, “falso jogo de sedução” e em caso de envolvimento assumir o que quer, pode deixar todo mundo à vontade para lidar com o caráter de cada um.
Exercícios que envolva o toque, práticas coletivas de massagem pode descarregar a tensão sexual e levar o relacionamento para outro lado, em alguns casos vai reforçar o desejo, pois, a química pode fluir espontaneamente entre duas pessoas ou mais, neste caso, o que se recomenda é sempre o diálogo, a compreensão do que está acontecendo e a franqueza na hora de resolver algum “mal entendido”.

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Padrão 05 – Dinheiro, dinheiro, dinheiro: 
Existem pessoas no grupo que se gabam de serem fracassadas financeiramente e deixam claro que só está ali porque todo mundo é duro. Esse tipo de argumento pode ser poético mas o indivíduo que diz isso com tanta veemência acaba não participando dos esforços do grupo para atrair recursos para o trabalho coletivo. Acaba sendo sempre contra a prosperidade e ofende os colegas que trabalham honestamente chamando-os de “capitalistas”!
Nossa herança judaico-cristã, nos ensina que dinheiro é sujo e, por causa disso, muitos mal entendidos acontecem no relacionamento inocente entre as pessoas que só querem se dedicar com amor a um ofício, embora, muitas vezes, não acreditem que possam extrair recursos dele. O trabalho recompensado é bom e mais importante ainda é firmar compromisso e se ajudar mutuamente, fazendo "vaquinha", participando de editais, promovendo festas pagas e agregando recursos para melhorar a qualidade de vida do grupo e dar melhor visibilidade a suas produções.

Como lidar com isso?
Fazer rodas de estudos sobre como abordar as  perspectivas de mercado para o trabalho, trocar idéias sobre como melhorar financeiramente, colocando metas em comum e fazendo um esforço pessoal para reconhecer que trabalhar por remuneração justa não é nem um tipo de pecado mortal. É muito comum nos grupos existirem pessoas com talento administrativo e que estão ali para serem artistas e não “contadores” e/ou  “patrões”, para que haja um equilíbrio, aqueles artistas de perfil menos administradores, devem se esforçar por, pelo menos, saber a diferença entre gasto e investimento.
Uma coisa que se recomenda é a ajuda mútua, aquele que tem dom para administrar às vezes precisa de apoio para desenvolver seu lado artístico e aquele que tem uma ótima “veia artística” pode colaborar com o outro e assim, ambos, se ajudando, podem levar o grupo ao sucesso não só estetico mas, também, com resultados financeiros.
A troca de conhecimento de forma metódica ajuda a desenvolver e fortalecer economicamente o grupo. Ao invés de ficar dizendo para seus colegas que está estudando inglês na escola mais cara do Rio de Janeiro, seria muito melhor propor aos colegas que tem dificuldade com esta língua e fazer uma roda semanal de estudos ajudando-os a ampliar o conhecimento do idioma.

O grupo "Andança - Por um Teatro Livre", sediado em Cabo
Frio, vem se mantendo a anos, graças à determinação de seu
criador, Italo Luiz Moreira.
Só para fechar a ideia!
A troca de informações práticas é uma coisa muito antiga no meio teatral. Os grupos podem desenvolver grande contato com a arte se valorizar a troca de aprendizado. Uma boa forma de lidar com isso é tirar os finais de semana para fazer uma grande roda de saberes. Onde cada um vai ter um tempo entre 15 minutos a uma hora para propor ao grupo algumas dinâmicas referentes ao seu saber principal e o grupo ter o acordo de aceitar “irmanamente” o presente oferecido a todos por um de seus componentes.
Numa roda de troca ninguém deve se sentir ridículo ou como quem “não tem nada pra dar”, transmitir seu saber ao grupo é uma forma de aceitar os outros saberes com gratidão. Notem que, quando essa prática é instalada, várias pessoas despertam para o dom da pedagogia do teatro e o grupo pode acrescentar em sua receita as tão famosas oficinas curtas e longas onde os resultados dessas trocas internas passam também, a servir a comunidade além de melhorar o fator econômico do coletivo.

12 comentários:

  1. Vou abrir um grupo teatral. muito obrigado por esta nota, os problemas aqui relatados são comuns em muitos grupos que eu conheço e por outros pelos quais eu já passei. As dicas são dignas de serem aplicadas. abraços

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    1. Boa sorte na criação de seu grupo. É preciso ficar atento aos movimentos dentro de grupo, e buscar sempre o diálogo, lembre-se, um grupo de teatro não é formado por pessoas que se amam e sim por pessoas que se respeitam. Grande abraço.

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  2. Partilho do comentário do Osvaldo. Sou actriz e faço teatro Universitário. Mas infelizmente devido a desavenças no grupo e falta de seriedade por parte de alguns participantes o grupo acabou se separando. Sendo o teatro uma paixão para mim que quero aprender mais e mais, pretendo criar um grupo de teatro seguindo estes conselhos do artigo. Espero que corra bem :)

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    1. Faça um grande esforço para tornar seu grupo forte, a compreensão e o respeito entre os participantes, requer esforço pessoal. Lembrando sempre que é preciso que eu aceite o outro já que o desafio também foi colocado para o outro. O que nos torna próximos é sempre o respeito, que independe de amizade, carinho pessoal ou amor. Eu posso escolher quem vou amar, mas o respeito é para todos, com essa premissa, o grupo vai longe. O resto é persistência e muita atividade... mãos à obra!

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  3. queria agradecer pela luz que me deus com os conselhos acima....
    estou iniciando um grupo de teatro a partir do nada, num bairro ( o meu bairro) que os destaques se referem ao trafico e criminalidade, onde a maioria nao tiveram nenhum contato relacionado a arte e a literatura em si.... desde ja seguidora fiel de vcs.
    um abraço.

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  4. Conselhos essenciais! Entrei aqui achando que ia encontrar orientações de lugar, quantidade, material, e acabei encontrando algo muito mais fundamental que torna a alma do grupo viva, criativa, iluminada!
    Só tenho a agradecer aos conselhos e exemplos.
    Na verdade, o objetivo do grupo que estou criando é primeiramente ajudar a desenvolver habilidades, comunicação, criatividade e ainda relacionamento. E com esse achado a lição foi certeira!

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  5. GRANDES CONSELHOS.....MUITOS EFICAZES ...SOU GRATO!!


    GOSTARIA DE SABER SE VOCÊ TEM INFORMAÇÃO A RESPEITO DE COMO CRIAR UM CIA DE TEATRO?

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    1. Como criar uma Cia de Teatro? Se conecte a pessoas com a mesma sintonia que você.

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  6. Tenho um grupo de teatro amador aqui na escola, muito bom, já fizemos apresentações na região, mas não temos registro, nen CNPJ...Como podemos fazer para legalizar o grupo? Os " atores" têm entre 7 a 18 anos, somos de Cacequi -RS, podem nos ajudar?

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  7. eu estou desde o inicio do ano querendo formar um grupo de teatro, já encontrei varios alunos dispostos a ajudarem e a participarem. mas falta apoio da escola (se falo com a diretora, ela me diz pra falar com a professora de artes. e quando falo com a professora ela acha mil e um motivos de pq não daria certo) e eu não sei oq fazer, já que meu amigo começou um grupo de dança e foi totalmente diferente, pois todos moveram céus e terra pra fazer oq ele queria. eu estou bem perdia e não sei como conversar com a direção e os convence-los a dar pelo menos uma chance

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