Daniela Barbosa
Aos 08 dias de
junho de 1974 surgiu, em Cabo Frio, Daniela da Silva Lopes. Nasceu e cresceu na
terra da família materna, herdou veia artística e sangue baiano paternos.
Formou família, anexou Barbosa ao nome e duas filhas à sua existência. Estudou,
formou-se Assistente Social. Pelos anos afora desenhou, cantou, escreveu, pintou,
mas não era prendada para bordar. Queria mesmo era atuar. Hoje vai navegando
entre as palavras e as formas, experimentando a dor e a delícia do mundo do
teatro.
IMAGEM
E SEMELHANÇA
DRAMA
AUTORIA DE: Daniela Barbosa
CENÁRIO
Quarto de Rosa. À meia
luz. Rosa de bruços, em diagonal, na cama revirada. Ao seu redor, notas de
dinheiro espalhadas. Uma mesinha de cabeceira com um abajur, um despertador e
um livro: O NOME DA ROSA. Aos pés da cama, uma penteadeira com: pente, escova,
maquiagem, uma garrafa com resto de uísque e um pequeno pote de vidro. Em
frente, um banco caído de lado. Espalhados pelo chão: um vestido, espartilho,
cinta-liga, meias ¾ e um par de sapatos femininos.
PERSONAGENS
ROSA: Prostituta (20 a 35
anos). Foi estuprada pelo pai, que tirou sua virgindade. Olhos grandes, tristes,
com olheiras. Usa uma camisola longa, com uma faixa e aberta na frente com
decote mostrando parte dos seios. Cabelos desgrenhados e maquiagem borrada.
MEDEIA: Mulher com terno
preto, vestida e caracterizada de homem.
CENA 1
(O despertador toca. Rosa
levanta o braço, sonolenta, desligando-o. Pausa. Espreguiça-se, desliga o
abajur e se levanta. Ajeita o cabelo e fecha a camisola. Levanta o banco e
senta-se à penteadeira).
ROSA: (em frente ao
espelho, limpando a maquiagem) Maldita luz do dia! Dói-me a cabeça, o corpo, a
consciência. Por que hei de sempre acordar com cheiro de culpa e gosto de
arrependimento? (olhar perdido) Mas o último, o de ontem... Tão protetor... (e,
levantando-se de súbito) Que a consciência apodreça nos infernos! (bebe o resto
de uísque e pega o pequeno pote).
(Medeia surge de trás das
cortinas, aplaudindo pausadamente. Sorriso sarcástico. Pega o livro na
cabeceira, vira-se para a plateia).
MEDEIA: Vejamos... página
setenta e oito: “Se há uma coisa que excita mais os animais que o prazer é a
dor. Vives, sob tortura, como sob o poder de ervas que provocam visões”...
(fecha o livro e o devolve à mesinha)
(Rosa esconde o pote entre
os seios e se afasta apavorada, indo de costas para a frente do palco).
ROSA: (virando-se para a
plateia) Não és real! És uma alucinação!
MEDEIA: (balançando
negativamente a cabeça) Mal agradecida. Vês como sou benevolente para contigo!
Mesmo sendo tão maltratada por ti, venho oferecer-te uma chance de te salvares.
ROSA:
(gargalhada sonora) Salvação? (expressão de medo, esfregando as mãos) Vejo
como és benevolente, cara consciência! Estiveste escondida naquela garrafa, ou
no pó que me queima as narinas, ou ainda no homem que roubou-me mais uma noite
de vida! E me assombras como num castigo divino! Volta para minha mente e
desapareces logo! (fecha os olhos com força)
MEDEIA: (andando e parando atrás de Rosa) O que fizeste de ti? Que criatura desprezível
tu te tornaste...
ROSA:
O que fiz de mim?! TU me fizeste? O que OS HOMENS fizeram de mim? O que o MUNDO
me fez? (olhar irônico) Sou somente imagem e semelhança! (andando em volta de
Medeia, recita):
“O
amor fez-me puta,
a
vida tornou-me mulher,
a
morte, enfim, me seduz.
Aqui
jaz um romance moribundo,
fruto
do amor expurgado,
à
luz do dia, silenciado
em
sua lápide, esculpido em cruz.
(parando
em frente à plateia)
Da
paixão incestuosa
jorrou
meu sangue imundo
por
veias abertas a foice,
à
espera do julgo final.
Dos
subterrâneos do Éden
ao
purgatório dos meus dias
escarro
o pecado original
que
me dilacera as entranhas,
enquanto
liberta-me a alma fria.
Sou
mais uma Eva, vadia,
comida
num jardim qualquer.
Alimento
divino do homem
sua
filha, sua mulher”.
MEDEIA: (com ódio) Herege.
ROSA:
Humana.
MEDEIA: Profana! Nem a
morte te livrará dos teus pecados. Guarda esse arsênico, querida. Teu estômago
é sensível, vais acabar vomitando. Tu és tão fraca que não consegues nem morrer
sozinha. Toma. Uma arma. Atira. (aponta a mão em forma de revólver para Rosa) Despede-te
de tua vida impura. Lava, com teu sangue, tuas mãos pecadoras.
ROSA: (rosto entre as mãos,
gritando) Que queres de mim?
MEDEIA: Sentir o gosto de
fel na tua boca (aproxima-se do seu rosto, simulando um carinho) Quero teu
sangue, pois a alma, a mim já pertence...
Rosa vira o rosto de
súbito. Tira a faixa da camisola e amarra no pescoço, ameaçando enforcar-se.
Começa a dançar e entra num transe.
MEDEIA: Vai! Cumpre tua
sentença, se pensas que mereces tal alívio para essa alma enferma. (virando-se
de costas) O inferno está em tuas mãos, em tua boca, em teu corpo. Aquele que
te possuiu, mesmo morto, ainda está em ti... Levarás para onde fores. Morta ou
viva, vês a lembrança daquela noite como uma espada transpassando teu peito
frágil e pálido. Nem a morfina de tuas veias te alivia a alma. (voltando-se) Tu
me provocas náuseas...
ROSA: Tu não existes. És fruto
de minhas viagens alucinógenas...
MEDEIA: Sou fruto das tuas
escolhas. (falando ao seu ouvido) Nasci de tuas entranhas. Cresci dos teus
cortes, de tuas dores. Alimento-me de teus medos. Padeço em tua vaidade, em
tuas ilusões. Viverás para sempre em mim e eu em você. Morrerei com tua morte.
(aperta violentamente a faixa).
Rosa se solta e cai,
apavorada. Medeia caminha à sua volta, ajoelhando à sua frente.
ROSA: (ofegante) Agora
entendo... és real porque eu vivo. Sem mim, não és nada. Vives do meu pecado.
MEDEIA: (mãos postas em
oração) Agradeço aos céus este momento sublime... Confessa teus pecados, pequena
meretriz! Escolheste viver na noite, traçaste teu destino. Pede perdão! (gargalhada)
ROSA: A Deus?
MEDEIA: Não, imprestável! (irônica)
A esta que vos fala. Por travares batalhas diárias contra mim. Logo eu, que
sempre estive contigo. (olhando para a penteadeira) Quantas noites tu me
deixaste esquecida em tua gaveta em meio a doses de absinto, seringas e culpa. (virando-se
de costas para Rosa) Minha dor nunca foi suficiente para evitar as dores
físicas nas quais mergulhas para fugir da vida.
ROSA: Pois em breve irás
livrar-te de mim.
MEDEIA: Tua natureza é
covarde, minha ninfa... Tu és uma névoa, um sopro, uma bruma que encobre a
verdadeira natureza humana. Não passas de um ser delicado como nuvem que se
desfaz quando o sol se abre. E qualquer vento mais forte dissipa tua valentia.
ROSA: Eis essência de
nossa existência: do pó ao pó.
(Tira do peito o pote e o
esvazia em sua boca. Senta-se à escrivaninha e dedilha um piano invisível,
cantarolando uma melodia. Medeia vira-se e acompanha seus gestos com o olhar).
MEDEIA: (com desdém) Pareces realmente feita de pó...
ROSA: (olhar fixo) Do pó
ao pó.
MEDEIA: Hum... poética. Ou
devo dizer... patética? Tens certeza de que não tomaste o arsênico? Pareces
delirar...
Rosa pega uma adaga na
gaveta e a acaricia, serena. Abaixa a cabeça, abraçando o objeto.
MEDEIA: (balançando a
cabeça negativamente) Achas que me assustas? A morte não acabará com teu
martírio. Aliás... nunca fostes mártir. De Antígona, só tens a tragédia que é
tua vida. Não és digna, sequer, de encenar esse papel.
(Rosa levanta e
desequilibra. Limpa o suor da testa com o braço. Para em frente a Medeia e, com
as duas mãos, aponta a adaga para o próprio peito).
ROSA: Tu és o demônio.
Devo matá-la em mim!
(Luzes se apagam. Grito de
dor. Silêncio).
ROSA: Era cianureto, e não
arsênico.
(Luzes se acendem. Rosa de
pé em frente ao corpo de Medeia no chão. Braços estendidos e adaga balançando
nas pontas dos dedos. Virando-se para o público, solta a adaga. Fecha os olhos
com força e novamente desequilibra, caindo de joelhos).
ROSA:
“Maldita
carne que aprisiona
e
veda-me os olhos da alma faminta
por
romper com os grilhões da matéria
em
decomposição.
Bendito
torpor que a tudo torna tênue,
tal
qual fio do líquido rascante.
Vinho
rubro derramado sobre o corpo
Consagrado
em sua imperfeição.
Amaldiçoado
poema de minha vida,
obra
inacabada de uma tragédia anunciada.
Concebida
pelo pecado e
pelo
perdão, esquecida”.
(Abaixa a cabeça novamente.
Deita-se em posição fetal. Deixa cair o vidro vazio que rola pelo chão).
FIM
Daniela Barbosa
NEM TENHO PALAVRAS...AMEI ESTE TEXTO!!!
ResponderExcluirFICO HONRADA EM CONHECER PESSOAS COM O TALENTO TÃO GRANDE. DANIELA SUA SENSIBILIDADE É INCONTESTÁVEL.
OBRIGADA POR NOS PRESENTEAR COM SUA ARTE DE NOS FAZER PENSAR. BJSSS