TEATRO PARA DANÇAR

segunda-feira, 4 de julho de 2016

Eduardo Magalhães, antena de uma geração - MEMÓRIA É VIDA

Quando cheguei em Cabo Frio, 2004, ele era o jovem que agitava a cidade, junto com sua geração de artistas. Eduardo Magalhães, o EDUARDINHO, não só era visto com muito carinho e simbolizava um misto de entrega e responsabilidade com o teatro, como também, construía cenas cada vez melhores e se tornava um olhar para o teatro, que todo mundo respeitava. Lembro que o primeiro espetáculo que vi no Teatro Municipal, foi dirigido por ele e chamava-se "Gepetto Conta Pinóquio".

(Jiddu)

Eduardo Magalhães (Eduardinho) referência e excelência artística,
a saudade que fica é também estímulo para que o teatro de
Cabo Frio, siga surpreendendo o Brasil.
O FESQ (Festival de Esquetes de Cabo Frio) era um evento praticamente novo na cidade e Eduardinho, na ópoca,  dirigiu a cena "Flores, para quem o amor Passou". Um trabalho com um ritmo alucinante e uma forte integração de elenco, em cena, "flores" levantou o teatro com uma força impactante. Um figurino e maquiagem impecável, os atores pareciam ter saltado de alguma fábula. Neste ano, eu participava, junto com Rodrigo Portela e Fabio Fortes, do Juri, que tinha que distribuir a premiação do Festival.
Dois ou três anos depois, no mesmo festival, Eduardinho surpreendeu com outra esquete ainda mais impactante. "Enquanto as Crianças Dormem". Escrevi sobre este trabalho naquele mesmo ano. Uma coisa que me chamou a atenção, foi a cena se desenrolar num ambiente que em tudo lembrava um filme de Werner Fassbinder, o cineasta que sempre fui reverente, pela estética e profundidade de ambiente e construção dramatúrgica. A peça era praticamente um filme em cena, talvez muito avançado para a época, pois lembro que o elenco ficou estarrecido de ver que seu trabalho não premiou naquele ano, talvez um exemplo de como é complicado lidar com arte em eventos competitivos . 

"Flores, para quem o Amor Passou", cena teatral que marcou época no teatro
de Cabo Frio. Foto do acervo de Luciano Paiva.
Para mim, uma estética daquele nível, só poderia ser dominada por alguém que tivesse muita experiência, no entanto, Eduardinho tinha algo em torno de 18 ou 20 anos, no máximo, quando este espetáculo foi criado. Confesso que foi uma das cenas que mais apreciei no teatro de Cabo Frio, até hoje. Infelizmente, trabalho daquele nível, precisaria ter uma temporada, para que pudesse penetrar o inconsciente coletivo da cidade, algo que, na época, não aconteceu. Mas o lado positivo é que, dos jovens que faziam teatro naquela época, com Eduardinho, praticamente todos continuaram seguindo carreira de ator e, hoje em dia, vejo esse pessoal espalhado pelo Brasil, seguindo seu caminho e sua arte. Dos que ficaram em Cabo Frio, continuam firmes oferecendo sua arte para a cidade.
Também tive a oportunidade de conversar muito com Eduardinho Magalhães, ele sempre me procurava para falar de sua paixão pelo teatro físico, gostava muito de mímica e sonhava fazer espetáculos que bebesse mais na fonte deste gênero teatral, mas eu sempre dizia para ele que já via muito desses elementos em sua linguagem estética, tanto que hoje em dia, percebo que alguns artistas de sua geração e que conviveram com ele, levaram adiante a pesquisa do teatro físico que, hoje, é praticamente uma prática rotineira para muitos desses jovens contemporâneos e cúmplices daquele jovem tão talentoso.
Lutando contra os ventos de desesperança e enfrentando os moinhos de ventos da vida, Eduardinho teve seu destino tragado por uma morte precoce, ninguém se conforma com isso, porém, sua arte permanecerá viva e será sempre honrada por aqueles que estiveram mais perto dele. A coisa é tão séria, que, uma vez, o hoje ator Gustavo Vieira, comentou comigo uma vez, dizendo que "Adoraria ter conhecido Eduardinho", para mim, Gustavo Vieira é quem mais se semelha àquele jovem, em alguns aspectos, embora o tempo e a demanda seja outra.

"Enquanto as Crianças Dormem" - uma obra prima, encenada no
Teatro Municipal de Cabo Frio. Foto do acervo de Leo Cabral

MEMÓRIA É VIDA. NÃO HÁ VIDA SEM PASSADO.

Para que a gente nunca esqueça e, também, para que os jovens que hoje fazem teatro, na faixa de 20 anos de idade, saibam, Eduardo é quase uma entidade. Alguém que, tendo nascido, de algum modo, desfavorecido pelo universo que nem sempre o incentivou a seguir enfrente com o teatro, se tornou uma força vital do teatro Cabofriense, pela sua criatividade, energia, força e coragem. A ele, presto essa homenagem simples, para que a geração OFICENA, veja o quanto já se fez e até onde é possível ir, quando vencemos a mediocridade, substituindo-a por coragem, capacitação artística e determinação realizadora.
Convidei algumas pessoas para falar de Eduardinho segue abaixo alguns comentários de pessoas que conviveram diretamente com ele.

EDUARDO MAGALHÃES VISTO POR SEUS COLEGAS DE GERAÇÃO

RODRIGO SENA
Dramaturgo e Diretor.

"Conheci pouco da pessoa. Tive contato com a genialidade de um rapaz novo, mas com uma alma mais antiga do que se imagina. Ou se viu.
Um talento que tinha muitos a nos ensinar nessa seara teatral. Perdemos... ficamos aqui...
No pouco contato que tive com ele já nos conhecíamos e já nos abraçávamos como amigos de longa data. Sem nunca ter tido alguma conversa mais profunda.
Quando penso no "Eduardinho", eu sinto que perdi um grande amigo, sem mesmo termos sido esses grandes amigos!"

ADASSA MARTINS
Atriz
"Coisa mais iluminada. Um cara gênio, generoso, de muita força e empenho. Uma das pessoas mais inspiradas e inspiradoras que conheci."

BRUNO SILVA
Ator e diretor teatral
"Eduardinho para mim era antes de tudo uma figura engraçada, divertida e sempre disposta a ajudar. Nos conhecemos nas quadras jogando handebol e, quem diria, que nos encontraríamos na vida tetral?! No palco virava gênio. Conseguia criar de uma forma absurda. Tinha uma linguagem que tocava na alma. Sinto falta do amigo e desse artista maravilhoso."

JOSÉ FACURI
Cenógrafo, gestor cultural.
"Não precisaria dizer mais nada.. O único e oportuno reconhecimento que eu fiz ao completar meus 40 anos de teatro, foi escolher artistas das artes cênicas de várias gerações de Cabo Frio com mais talento para a montagem comigo. Dentre eles, eu escolhi como diretor do espetáculo Eduardo Magalhães, ou seja um talento máximo com idade mínima (20 anos) para dividir comigo a montagem do espetáculo Gepeto Conta Pinóquio."

LEO CABRAL
Ator, professor.
"Eduardo foi e sempre será para mim, além de irmão e melhor amigo, uma referência de profissional e ser humano. Um homem, travestido de menino, meio moleque, meio juiz. Guardava dentro de si a inquietação consigo mesmo e o mundo que o cercava.
Poeta marginal que sabia o que queria dizer e fazer, através da arte, de forma tão grandiosa, purgando seus demônios. Nem sei como cabia tanta gente com tanta bagagem dentro daquele corpo fisico com seus1,59 de altura! Um monstro, um bicho, uma mulher, um deus, um louco, um santo, um doce, ..."

PABLO ALVAREZ
Produtor
"Grande menino pequenino ... Grande no fazer teatro, grande no ensinar teatro, grande no escrever teatro, grande no amor e grande na amizade. É... Pequeno só na altura mesmo!"

NATACHA GASPAR
Atriz
Único Peculiar Atemporal Amigo, amado Extraordinário, inigualável, simplesmente Eduardo Magalhães!

IVAN TAVARES
Diretor Musical
"Eduardo Magalhães, meio doce e meigo amigo, irmão, filho. Quanta saudade de nossas risadas em nossas viagens teatrais. Rir talvez tenha sido seu maior legado entre nós. Nosso pacto de pararmos de fumar, logo que saísse do hospital. Não deu. Sinto muito a sua falta. Te amo".

FABIO CARVALHO DE FREITAS
Ator, diretor e produtor.

"E"nquanto lembro de ti "D"e toda gargalhada que ficou "U"ma gratidão se apossa de mim "A"h quanta coisa ficou "R"elembrar é mais que honra, um prazer "D"epois que plantantastes em nós "I"nesquecíveis flores para um amor que nunca passou "N"em nunca passará "H"aja o que hover "O" rastro da sua luz ainda ilumina minha alma".

YURI VASCONCELLOS
Ator, Artista Visual, Gestor Cultural.
"Eduardo Magalhães, um gênio em corpo de criança, na agilidade e criatividade, em uma cabeça de um ancião de imensos valores e saberes teatrais... Foi como um trovão anunciando sua Arte pra todos os que conviveram e tiveram a oportunidade de ver suas obras, sempre pontuadas com muito carinho, pesquisa e um sorriso de quem sabia o que estava fazendo... Um raio na rapidez que veio e se foi, mas uma tempestade em nossos corações!!!"

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INTENSAS VIDAS CURTAS 
Por José Facury

José Facury, na peça "Gepetto conta Pinóquio",
Direção de Eduardo Magalhães, eduardinho,
uma montagem de 2004.
   
     Nestes dez anos de vida do Teatro Municipal de Cabo Frio, dois Eduardos deixaram referências na vida cultural da cidade por terem passado por lá em suas curtas vidas, marcadas por existências singularmente breves. Para eu que acompanhei tais trajetórias bem de perto, muitas das vezes sendo até referência das suas dúvidas cênicas, só readquiri forças para traçar estas linhas por conta da necessidade de extravasá-la do meu combalido coração e dividir um pouco com leitor a perda do segundo Dudú com apenas seus vinte e três anos de idade. Os dois chegaram lá na época em que eu o coordenava artisticamente.

      O primeiro, José Eduardo Santos, com vinte e nove anos, recém formado da UniRio e com idéias cênicas revolucionárias. Para ele o importante no teatro seria instigar o espectador, tirá-lo da pasmaceira acomodada da poltrona e colocá-lo dentro da ação. Como eu já havia visto esse filme, apontava-lhe sempre que naquele momento estávamos formando platéia e que seria preciso pegar leve para não afugentar o público. Mas ele não poderia escutar um conselho tão conservador, e os realizava da sua forma, sem ligar a paradigmas tradicionais. Eu como estudioso do teatro admirava todos os seus trabalhos e via ali uma genialidade indomável. Zé Eduardo, já sabia no seu íntimo artístico que sua vida seria curta e só pude entender toda essa impulsão criativa quando um assassino covarde, até hoje não desvendado pelas autoridades policiais, cortou a sua trajetória com três tiros em julho de 2002.
    O segundo, Eduardo Magalhães, nos veio com quinze anos de idade em 1999, fruto do segundo Festival Estudantil de Teatro onde apresentou uma peça infantil, engajou-se em produções como ator, fez o curso básico do Teatro, aprendeu também, discutindo e vendo muita coisa. Arvorando-se em escrever e montar os seus próprios trabalhos começou a mostrar o seu exuberante potencial criativo. 
    Na comemoração dos meu quarenta anos de teatro em 2004, realizei um projeto chamado Gepeto Conta Pinóquio, onde, uni quatro gerações abaixo da minha: com a autora Silvana Lima, o músico Ivan Tavares e a aderecista Tânia Arrabal, companheiros de longas aventuras cênicas; com o César Valentim de geração abaixo das delas; o meu filho Tamer, então com nove anos fazendo o Pinóquio. E, para dirigir-nos, optamos pelo mais talentoso jovem da cidade: Eduardo Magalhães e navegamos por muitas águas teatrais nos entregando à sua estética.
     Aceitou desafios dificílimos de serem realizados como o de montar espetáculos de qualidade com estudantes de escolas do primeiro grau, menores carentes e com eles ganhou vários prêmios nos festivais estudantis e de esquetes. Não se contentou com isso, e foi sem nenhuma condição financeira estudar na Escola de Teatro Martins Pena no Rio, onde este ano estaria se formando. Até que outro assassino, desta feita um cirurgião dentista tira-lhe irresponsavelmente três sisos deixando-lhe como herança uma hemorragia que o levou a contrair uma leucemia até então desconhecida o fazendo encontrar a morte na semana passada. 
     Os Dudus se foram e o que ficará será a lembrança eterna das suas passagens e a efemeridade das suas artes, que eles em tão curto tempo, souberam realizar. A essas alturas celestiais, se elas existirem, os dois estarão se encontrando e rindo das nossas tragédias vivenciais. E para você, querido Eduardo Magalhães onde estiveres ilumine-nos com a luz jovem da sua criatividade explosiva nos encharcando da tua arte em nossos corações

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Reviver momentos de arte e intensidade é o que dá sentido à nossa vida artística, o teatro não sobrevive sem sua memória e sua história deve ser contada para que o esquecimento não nos torne vítimas de uma sociedade que não conhece a si mesmo. 
Eduardo Magalhães foi e será um grande exemplo, sua obra, embora breve, é, no fundo, a grandeza de uma geração que até hoje continua firme, trazendo luz para o teatro local de Caob Frio e do Brasil e, porque não dizer, do mundo. O teatro faz parte do acervo de memória da humanidade...

Jiddu Saldanha - Blogueiro

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