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As atrizes: Viviane Miranda, Anna Fernanda e o diretor e escritor Bruno Peixoto. |
"O Livro dos Pequenos Mistérios", de Bruno Peixoto
surpreendeu, pela limpeza e precisão narrativa e um sofisticado estilo frontalmente
latino; o realismo fantástico, forma literária consagrada a partir dos anos 40
e que tem como baluartes nomes como o argentino Bioy Casares e o colombiano
Gabriel García Márquez. Não bastasse a rica tradição hispano-americana, Bruno
ainda cometeu o "crime" de ter nascido na cidade de Campos dos
Goytacazes, terra de rica tradição cultural onde nasceram o escritor José
Cândido de Carvalho, autor de "O Coronel e o Lobisomem" e o poeta
Artur Gomes, autor de "Brasilírica Pereira - A Traição das Metáforas".
Vindo morar em Cabo Frio, Bruno mergulhou num mundo mesclado
de paixão pelos coletivos e também pela sua "solidão quase melancólica".
Passava horas revezando entre os momentos com os amigos e as longas caminhadas
margeando praias, matas e o sal da cidade. Aprofundou-se na prática do teatro e
tornou-se, também, um técnico esmerado, concentrado no "foco" de sua
pesquisa como iluminador, mas sempre escrevendo, escrevendo e escrevendo!
Assim, ele foi galgando de forma sutil e progressiva o mundo da arte. Tornou-se
escritor, ator, iluminador e agora, como já era de se esperar, também diretor
de teatro.
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Anna Fernanda e Viviane Miranda, harmonia e equilíbrio em cena. |
Recentemente, Bruno adaptou seu "O Livro dos Pequenos
Mistérios" e criou o espetáculo "Pequenos Mistérios". Convidou as
atrizes Anna Fernanda e Viviane Miranda. Ensaio, estudo, concentração e um
primeiro resultado apresentado na "Semana Teixeira e Souza" evento
anual sobre literatura, que acontece na cidade de Cabo Frio. O resultado? Podemos
dizer que foi bom, que fluiu bem e comoveu. Saiu da zona de conforto e desafiou
o público a viajar numa linguagem bem definida. Vimos, naquela noite, a
possibilidade de um possível grande trabalho. Atrizes corretas, bem ensaiadas,
vozes trabalhadas, ritmo consistente e um belo conjunto que deu um corpo
dramático à linguagem do livro.
No desenvolvimento da cena; as atrizes foram felizes,
justamente por serem completamente diferentes uma da outra. Anna Fernanda é passional,
agressiva e explosiva, nela, tudo é emoção, sua víscera é formada de uma
entrega única, recheada de uma melancolia profunda que vai rasgando a alma da
plateia até atingir as camadas mais densas de uma sensibilidade cavada quase
que a punhaladas no coração do público e, já que estamos falando de literatura
e realismo fantástico, Anna lembra "Amaranta", personagem de Garcia
Márquez, em "Cem Anos de Solidão", que passa grande parte da vida
tecendo um manto para carregar além da morte.
A atriz Viviane Miranda tem uma leveza, flutua no palco como
uma bailarina, seu deslocamento é ágil e parece ser composto de ar, talvez,
água. A voz e o corpo parecem suprimidos pela técnica, jogando com uma
densidade mais formal, dando ao público, uma leitura distanciada mas não menos poética,
de cada cena. Sua víscera, lembra a personagem "Remedios", aquela
jovem virgem arrebatada por lençóis e conduzida ao céu, no mais famoso romance
fantástico de García Márquez.
O impacto do espetáculo está, no fato dessas duas atrizes tão
singulares, triangularem pelo palco durante quase 60 minutos e o público, extasiado,
sequer conseguir ver o tempo passar. Foi um trabalho bem composto e
tecnicamente bem realizado. Trilha sonora definida, pesquisa corporal contemporânea
e um ritmo bem encaixado, dando asas à imaginação.
Bruno, demonstrou ter talento para dirigir teatro, sabe o que
quer e já marca seu estilo, pois, embora o texto seja de realismo fantástico,
nota-se um tom melancólico nas cenas que são peculiares á personalidade deste
artista ousado e concentrado. Acreditamos que, muito breve, "Pequenos
Mistérios" estará ganhando os palcos das grandes feiras literárias do
país. Um trabalho que consegue unir tão bem, literatura e teatro, é um honra
para as duas formas de arte, engrandece uma enquanto expande a outra e, portanto,
aguardamos seu sucesso definitivo.
* Jiddu Saldanha é mímico, diretor de teatro e pesquisador.
Parabéns ao Bruno Peixoto pelo magnífico livro Pequenos Mistérios, e ao Jiddu Saldanha por esta preciosidade de texto.
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